25 de maio de 2016

Light of my life

Ele era minha luz... Era não, ele é, e espero que continue sendo por muito tempo. É fato que não sei como as coisas vão ser daqui para frente, não sei os caminhos que teremos que percorrer, mas anseio para que façamos isso juntos.
Tenho medo, verdade seja dita. Porque não sou como deveria, sei disso. Há algo extremamente errado dentro de mim, e com essa coisa, bilhões de outras pequenas coisas erradas e por isso, tenho medo. Temo que a grande escuridão dentro de mim o afaste, tenho medo que todas essas coisas erradas nunca possam ser concertadas, medo que ele se canse desse meu jeito torto.
Sinto que não existem, e provavelmente nunca chegará a existir, palavras suficiente para descrever o que sinto. Ele não sabe, mas meu mundo é dolorosamente mais gelado quando estamos afastados e agora... Agora que eu vi a luz, é difícil ficar na escuridão. Ele não sabe, mas... Ele é lindo, por dentro e por fora. Quando ele sorri, o mundo inteiro se ilumina e seus olhos. Ah, seus olhos! Lindos e expressivos olhos, que mostram uma alma tão pura e doce.
Ele é romântico como eu nunca vi alguém sendo e sinto falta das mãos dele sobre meu corpo, de seus lábios junto a minha pele, de sua voz suave me fazendo promessas nas quais acredito tão facilmente. Parece que mesmo que eu tente, não encontro meios suficientes de explicar o quanto ele me faz bem, o quanto a saudade que sinto é grande. Ah, se ele soubesse o quanto o amo...
Mas ele não vê, e eu não o culpo por isso. Antes de conhecê-lo eu estava sozinha no escuro, e mesmo com tantas outras pessoas a minha volta, nada era capaz de me alcançar. Só ele foi. Ele foi capaz de fazer tudo que ninguém antes conseguiu. Ele me abraçou e todas as vozes se calaram, todos os fantasmas se afastaram. Em seus braços, pela primeira vez, eu fechei os olhos em paz e tudo que eu queria era que isso acontecesse novamente.

Sei, dentro de mim, que voltará, porque ele é minha luz...

(https://www.vagalume.com.br/disney/enrolados-vejo-enfim-a-luz-brilhar.html)

20 de maio de 2016

Delirios, em uma realidade paralela, talvez.

“O que conto hoje é uma historia de amor. Uma historia estranha, mas de amor, sim. Eu me apaixonei pela Delírio no exato momento em que soube da existência dela e me surpreendi com a quantidade de coisas que ela e minha Candice tem em comum. O amor que ela desperta em mim tem muitas fontes, o mito é uma delas, mas não sei dizer se a principal... Hoje, com certa permissão, sequestro Delirio. Hoje viro dois mundos de cabeça para baixo, só porque sou ruim, só porque sou teimosa e só porque desejo alguém que entenda minha loucura.”

Brazil, São Paulo. Em algum lugar obscuro do centro.

Sinceramente? Ela já estava cansada de procurar, embora sua curiosidade se tornasse cada vez maior. Há dias Delírio caçava a coisa que produzia aquele cheiro. Um cheiro amadeirado e cítrico, um cheiro muito parecido com o que ela mesma sentia enquanto jogava, mas algo levemente mais adocicado, como essas coisas que são adoçadas artificialmente. Encontrará o cheiro por acaso, enquanto caminhava no meio da noite e seguindo-o, chegando a uma mulher abraçada com uma arvore que balbuciava coisas sobre o fim do mundo. Desde então, toda vez que sente o cheiro, encontra uma cena mais ou menos parecida. Toda vez encontra a consequência, mas não a causa.
Naquele momento, enquanto encarava a noite fria, Delírio se perguntava o que diabos tinha um poder tão parecido com o seu, mas ainda sim, tão diferente. De alguma forma sabia que aquele era não era de sua espécie, mas não sabia que espécie era. E por isso mantinha os olhos, vermelhos e orientais, muito bem atentos. Acreditava que a criatura estava por perto, precisava que estivesse por perto. Ironicamente, começava a crer que a curiosidade iria lhe enlouquecer.
Um sopro de brisa gélida trouxe o cheiro até a Succubus que se levantou rapidamente. Estava mais forte do que das outras vezes, mais... Fresco. A brisa parou, fazendo a garota chutar o banco, frustrada. Mas, como se algo atendesse seus pedidos, o vento trouxe o odor novamente e dessa vez, sem perder tempo, ela o seguiu... Não foi necessário caminhar por muito tempo, a fonte da coisa não estava de lado tão longe e ela se perguntava como tudo, num raio de cinco kilometros, não conseguia sentir aquilo. Se perguntava, inclusive, como ela própria tinha sido capaz de ignorar aquela aura desconhecida de tamanho poder... Talvez sua resposta estivesse ali. Ela não se lembrava de ter sentido algo parecido com aquilo antes, mesmo no centro da cidade, onde tantas coisas passam para lá e para cá.
Delírio estava parada do lado de fora do pequeno edifício. Parecia estar abandonado, com a tinta amarelada descascando e trepadeiras invadindo algumas das janelas quebradas. A porta parecia trancada, embora não muito sólida. Plantas cresciam por todo o pequeno jardim, formando uma mini floresta por trás dos portões de ferro negro. Aquela era mais uma das lindas casas antigas, parte da historia do centro que a cidade adorava ignorar, simplesmente porque existiam casas daquelas aos montes, e que o não virava abrigo para sem-teto, ficava abandonada, ou... Habitada por algum ser estranho.
Pelas janelas da frente, parcialmente inteiras, não era possível ver nada. Mas se prestasse atenção por um momento bem ao longe existia um som. Algo muito parecido com um choro; o cheiro estava extremamente forte, como se a fonte dele estivesse bem em baixo do nariz da mulher... Delírio empurrou o portão devagar, sentindo-o abrir sem muito esforço, aquilo era um indicio claro que estava sendo utilizado bastante nos últimos tempos e tal fato não condizia com o estado do restante do imóvel. Fechou o portão atrás de si e venceu o pequeno espaço até os três degraus que elevavam a entrada da casa. Ainda que a porta parecesse trancada, sua teimosia lhe levou a girar a maçaneta e ver, com surpresa, a madeira abrindo-se lentamente.
Lá dentro tudo era escuro. No andar de baixo não havia sequer uma única luz, mas tinha um cheiro especial. Um cheiro que ela conhecia muito bem. Conseguia destingir, mesmo na completa escuridão, manchas de sangue por todos os cômodos. Marcas de mãos nas paredes, coisas escritas com o sangue em latim e outras línguas mortas. O cheiro do sangue se misturava ao seu próprio, e ao terceiro, levemente adocicado que estava a ponto que lhe tirar o juízo.
No alto da escada havia luz e sons que ecoavam pelas paredes antigas. Subiu os degraus de madeira com extremo cuidado, sem provocar um único som, prendendo os cabelos roxos rapidamente, num coque meio bagunçado, apenas para estar pronta para o que quer que houvesse lá em cima. O andar de cima era um corredor de tamanho médio que terminava em outra grande escada de madeira. Dos dois lados haviam portas fechadas, pintadas de negro recentemente. A luz do local provinha de tochas antigas, fincadas na parede. Coisas que assim como a tinta negra das portas, não eram naturais do lugar.
Delírio avistou algo. Havia cerca de um metro separando a succubus daquela cascata de cabelos ruivos, a dona do cheiro doce, que não se moveu um único centímetro. A ruiva em questão estava para em frente da única porta aberta do corredor, a cabeça inclinada e apoiada no batente, os pés descalçados no tapete velho, que um dia fora dourado. Tinha o corpo, pequeno e delicado, envolvido num vestido branco de mangas longas. Parecia completamente inofensiva, se não tivesse com a mão direita apoiada sobre uma katana afiadíssima, uma extensão da palidez de sua pele e suas vestes.
Por um rápido momento, a succubus encarou o próprio corpo. Era dois ou três palmos mais alta que a ruiva, mas tinha a mesma pele alva, embora o corpo fosse consideravelmente mais provocante. Usava coturno, uma calça jeans simples, camiseta preta e jaqueta de couro. Sua arma atualmente? Um canivete automático que, ela sabia, fazia muito estrago. Passado o momento de avaliar os riscos e os possíveis resultados de uma luta, a oriental tomou sua decisão.
Com a faca muito firme na mão esquerda, Delírio rompeu a distancia entre os dois corpos sem causar um único ruído, parando atrás da ruiva que sequer se moveu. – O que é você? – Isso foi tudo que a maior conseguiu pronunciar enquanto olhava para dentro do quarto, para a cena real e para as realidades que Charlotte produzia. No cômodo havia uma mulher e dois homens. A mulher estava num canto, deitada em posição fetal enquanto chorava. O maior dos homens estava em pé, as mãos machucadas encostadas na parede como se estivesse sendo preso por uma força sobrenatural. O ultimo estava estirado no meio do quarto, as pernas e braços apertos, a respiração ofegante enquanto fitava, com os olhos vidrados, o teto.
A aproximação não foi uma surpresa, Charlotte sabia que aquela outra pessoa estava ali, sempre soubera. Sentia algo diferente desde o momento em que Delírio abriu o portão, algo que não conseguia explicar. – Charlotte. – Murmurou, como se a pergunta fosse a respeito de seu nome e não sua espécie. A ruiva fechou os dedos em volta da katana com mais força e nesse momento sentiu um arrepio frio percorrendo seu corpo, a partir do ponto exato da onde a lamina da oriental tocava seu pescoço. – Por favor, eu tenho trabalho a fazer. – Murmurou, revirando os olhos. Segurou o pulso da outra, sentindo por um curto momento a lamina se apertar contra sua pele.
Delirio tinha muitas perguntas a fazer, mas ela sentia o poder correndo nas veias daquela garota. Sentia como não tinha sentido antes, como não conseguia explicar. E do mesmo jeito que não podia explicar o poder, também não podia explicar o motivo que lhe levou a afastar a faca daquela pele clara. Mas Charlotte sorriu de lado com a ação e caminhou para dentro do quarto. Graciosa como uma bailarina, ela caminhou para perto do rapaz estirado no chão e lhe encarou por um longo momento. – Ultima chance. Onde vocês enfiaram minha Liesel? – Sussurrou. O homem se retorceu, mas seus pulsos e tornozelos não se afastaram do chão nem por um centímetro. – Eu não sei, já disse que não sei. Meu trabalho era só entregar ela. – Respondeu em desespero, cheirando o choro lhe atrapalhar a fala. Cansada, a mutante respirou fundo, negou com a cabeça. Não demorou. Com um único golpe rápido e forte o suficiente, Charlotte separou a cabeça do corpo. O sangue jorrou, sujando a mulher no canto do cômodo, que não se moveu apesar disso.
Só então Delirium voltou a caminhar para perto da porta. A oriental agora conseguia ver as diversas manchas de sangue naquele vestido branco, conseguia ver os olhos de cores desiguais que brilhavam insanamente e o sorriso, o misto mais delicioso de crueldade e doçura que ela já tinha presenciado. Quando seus corpos estavam bem perto, Charlotte respirou fundo. – Você cheira bem. – Constatou, dando um passo para frente de forma a obrigar Delírio a dar dois para trás. A mutante fechou a porta atrás de si com cuidado. – Em que posso ajudar? Quem é você? – Suas perguntas eram simples, mas a verdade é que a maior não tinha as respostas.
Os olhos rubros encaravam os cabelos do mesmo tom. Sua curiosidade só aumentou. – Pode me chamar de Delírio. – Respondeu, ignorando as perguntas em sua mente. Charlotte colocou o peso do corpo sobre uma das pernas, apoiando-se no batente da porta. – As pessoas me chamam de Delirium em missões. Tipo uma versão mais em latim de como eu posso te chamar. Mas se fizéssemos isso, seria confuso. Então pode me chamar de Charlotte mesmo. – As palavras eram lentas e controladas. Havia pouco sentido no que falava, embora alguma conexão com a realidade. Delirio ouviu, mais do que viu, alguém chamando por “Charlie” e a ruiva sorriu, negando com a cabeça. – Não, nem pense nisso. Só ela pode me chamar assim. – Murmurou, enquanto virava o rosto para o outro lado do corredor, o lugar de onde tinha a voz.
A Succubus acompanhou o olhar da menor e respirou fundo. Precisou se concentrar um pouco para ver a figura no fim do corredor, uma copia perfeita de Charlotte, exceto por duas coisas. O vestido da copia estava perfeitamente limpo e seus olhos eram iguais, dois poços calmos de um profundo azul... Algo produziu um ruído no cômodo de cima e Delirio perdeu a concentração. E com isso, a imagem da copia se foi, deixando a maior extremamente confusa. – O que você é? – Insistiu na pergunta, embora Charlotte já estivesse novamente dentro do cômodo, de costas para a oriental. – O que você vê? – No lugar de uma resposta, ganhou mais uma pergunta.
Não havia decidido ainda se iria ou não entrar em luta com aquele corpo de bailarina, mas por enquanto, não parecia existir uma ameaça real. A oriental respirou fundo e seguiu Charlotte para dentro do quarto, descrevendo a cena que via, a realidade da mulher no canto e do rapaz na parede... Não demorou um minuto para que a cena mudasse. Logo Delírio estava descrevendo as ilusões nas quais as pessoas ali estavam presas. – Como você faz isso? Mutante algum consegue ver o que eu faço, nem telepatas. – Murmurou, encarando a oriental muito de perto, tão de perto que era possível para a maior sentir a respiração quente da outra criatura.
A cena oscilava entre a realidade e o mundo que Charlotte criou. Aquilo estava dando dor de cabeça na maior, que segurou a garota pela mão e lhe puxou gentilmente para fora do cômodo, fechando mais uma vez a porta atrás de ambas... Aquele não era o comportamento normal de nenhuma das duas. Tanto a dona das madeixas roxas, quanto aquele de olhos desiguais tinham a mania de bater primeiro e perguntar depois, mas as duvidas uma sobre a outra eram tão grandes que causavam uma mudança. Algo conectava as duas, mas ela queria saber o que.
Firmou-se a cena real. O corpo de Charlotte a sua frente, a iluminação proveniente do fogo e Delirio finalmente se sentiu segura para falar. – Então é isso? Você é uma mutante? – A ruiva riu e deu os ombros, afirmando com a cabeça. – O que mais eu poderia ser? Uma maquina do governo? Bom, teoricamente eu sou isso, mas não do governo, governo. Uma maquina do instituto, talvez. – Seus pensamentos foram além, como costumavam ir. Charlie encarava o teto, pensando a respeito de ser uma maquina.
Por mais que soubesse a espécie de garota, isso não tornava as coisas muito mais simples para Delírio, na verdade. Um longo momento se passou com as duas ali. Enquanto a oriental pensava, em silencio. Charlotte falava com sua irmã sobre algo bastante serio que só aumentava a confusão na mente da succubus. Afinal, as vezes via a irmã, as vezes ela simplesmente não estava ali.
Demorou, mas chegou-se a uma conclusão. – Você é como eu, então.. Uma versão de laboratório minha, provavelmente. – Murmurou a dona dos olhos rubros, sem se preocupar se isso poderia chatear a outra. – Eu não fui feita em laboratório, a maioria das mutações é natural. Você precisa parar de assistir tanta TV, moça. – A voz era tão calma, tão suave que fez Delírio olhar melhor para o corpo a sua frente. Notou-se então aqueles olhos, os profundos olhos azuis, calmos e gentis. – Charlie, você é muito mal educada com as visitas.. Eu sou Candice, mas pode me chamar de Candy. – Murmurou a mutante, caminhando lentamente para a escada, onde se sentou.
Talvez por falta de escolha, talvez por pura curiosidade, Delirio seguiu a outra garota e se sentou ao seu lado. – Vamos por partes, estou me perdendo nessa loucura toda. – Murmurou, rindo ironicamente da própria constatação. Candice não riu, estava ocupada limpando o sangue da lamina da katana com a beira do vestido. – Você se chama Candice, tem os olhos azuis e Charlotte... – Sua frase foi interrompida pela figura de Charlotte parada, em pé atrás de Candice, com os olhos multi coloridos – Eu sou a irmã dela, a gêmea malvada, segundo alguns. E nós somos mutantes, sim. – Murmurou, piscando o olho verde para a outra. – Acho que entendi, mais ou menos. – Delírio ainda se esforçava com tudo aquilo.
Candy levantou a cabeça, encarando a outra garota e sorrindo como uma criança doce. – Você é uma das únicas pessoas que não ignora a Charlie. Legal da sua parte... Ela é meio teimosa e tem cara de má, eu sei. Mas é uma flor, não machuca as pessoas de propósito, só está cuidando de mim. – Explicou, encarando o lugar onde, momentos antes, Delírio tinha visto a ‘gêmea má’. Aquilo finalmente esclareceu a mente da succubus que chegou a se irritar por não ver tal coisa antes. Logicamente Candice, ou Charlotte, tanto faz... Logicamente, a garota ruiva era uma mutante com algum tipo de poder que envolvia delírios e esse poder era forte ao ponto de envolver a própria garota nisso, de forma permanente. E Delírio só conseguia ver o mesmo que a garota ruiva quando se concentrava, mas provavelmente isso mudaria se passasse tempo suficiente perto dela.
Algo muito adormecido se moveu dentro da succubus. Talvez fosse seu coração, talvez os sentimentos que há tanto tinha esquecido. Não sabia dizer o motivo, mas não tinha vontade de socar a pequena na sua frente. Nem mesmo naquele momento, quando Candice desfez o coque da maior e se ajoelhou atrás dela, penteando seus cabelos com os dedos. – O que você é, moça Delírio? – Perguntou. E a voz de Candy era doce, cheia de uma curiosidade tão inocente e genuína que faria as pessoas duvidaram das marcas de sangue em suas vestes. – Alguém com um poder especial, como o seu. Mas não um mutante. – Explicou da melhor forma possível, simplesmente porque dizer ‘a succubus mais foda do planeta’ não parecia ser a resposta certa para alguém como Candy.
Inocentemente, a ruiva encostou o queixo no ombro da maior. – Okay, senhora não-mutante. Como é seu nome? E nem vem, eu sei que Delírio é seu apelido. – Delírio riu. E como poderia não faze-lo? Aquilo tudo era ironia demais, e talvez até loucura demais. Estava surpresa e surpresa por se sentir surpresa. Maravilhada com todas as sensações que a pequena mutante lhe trazia. – Você pode me chamar de Akira, pequena Candice. Mas é um segredo, ok? – Falou o primeiro nome que lhe veio a mente, porque ninguém antes havia se dado ao trabalho de questionar a forma como lhe chamavam, nem mesmo ela própria.
Afirmando rapidamente com a cabeça, Candice se levantou e deixou a katana no corredor. Desceu três degraus, até estar de frente para a succubus que agora era reconhecida, por Candy, como Akira. – Quer comer algo? Charlie ainda vai demorar com eles e eu estou faminta. – Argumentou enquanto balançava o corpo lentamente.

Delirio ainda tinha muitas perguntas a fazer, muito a descobrir sobre a adolescente e por isso aceitou o convite. Saiu da casa para a noite fria em companhia de uma ruiva completamente louca, descalça e usando um sobretudo negro que era quase maior que ela. Saiu para a noite fria do centro de são Paulo, pela primeira vez sinceramente feliz por ter uma companhia. Companhia para qual finalidade ainda não tinha descoberto, mas uma companhia, sem duvidas agradável. 

18 de maio de 2016

O leão e a boneca

Ele parou na porta de madeira, apoiando a mão sobre a mesma. Respirou fundo, mordendo o lábio inferior, por um momento incerto se deveria continuar. Dentro do cômodo, sentada sobre o banco a frente da penteadeira, ela deslizava a escova muito delicadamente nos cabelos rubros. A cama de dossel estava perfeitamente arrumada, assim como o restante do quarto. O grande guarda-roupa de madeira escura, assim como o resto dos moveis, brilhava suavemente, lustrado a perfeição. A pouca luz do quarto era proveniente da vela rosa clara acessa próximo ao espelho, do lado contrario do belíssimo cravo vermelho, solitário em seu vaso de cristal. As cortinas de veludo vermelho das janelas, assim como as do dossel, estavam abertas. Mas pouco se via do lado de fora da residência, naquela além de poucas estrelas. Poucas e estranhas estrelas, as únicas testemunhas daquela doce criatura.
A porta se abriu lentamente, sem oferecer resistência às mãos habilidosas que lhe empurravam. Não a fechou, deixando que um quadrado da luz artificial do corredor se formasse até alcançar a parte de baixo da cama. A ruiva não se moveu, continuou escovando os cabelos devagar, mas um sorriso doce brotou em seus lábios. Sorriso que, pelo espelho, ela viu não se espalhar ao rapaz parado na porta.
Ele suspirou ainda indeciso, ainda confuso. – Olá. – Murmurou, encarando o quarto, buscando desviar-se dos olhos verdes que mexiam com sua alma. – Olá. – Ela respondeu devagar, a voz aveludada enchendo o cômodo de maneira uniforme. Os passos lentos foram até ela, o corpo parou a poucos centímetros daquele sentado, mas não se moveu além disso. – Eu... Preciso te contar uma coisa. Deveria ter contado antes, mas não sabia como. Ou talvez simplesmente não quisesse contar, enfim... – Tentou ser rápido e embora ela tivesse acompanhado a sequencia de palavras sem problemas, não o respondeu. Ele suspirou, enfiou as mãos nos bolsos traseiros do jeans. – Tem uma humana em minha vida agora. – Murmurou, fitando os próprios pés.
Por um longo momento o silencio se fez presente. Ela respirou fundo, esforçando-se para fazer o ar sair devagar de si. – Alguém de carne e osso? De pele quente? – Sussurrou, vendo pelo espelho ele afirmando com a cabeça. A boneca tocou seu próprio braço muito lentamente. Sentia a pele completamente macia, deliciosa ao toque, mas um toque levemente gélido, algo imutavelmente gélido. – Eu não deixarei de te amar. – Ele ainda não tinha coragem de olhar para ela, e não tinha porque deixar sua criação era doloroso.
A boneca finalmente se levantou, deixando a escova de cabelo sobre o móvel a sua frente. Com os gestos perfeito e graciosos com os quais era acostumada, rompeu a distancia entre os corpos, passando os braços em volta do pescoço dele. – Você vai voltar? – Sussurrou. Ele finalmente tomou coragem, finalmente encarou os olhos verdes e encontrou neles toda a dor que temia, mas afirmou com a cabeça. – Eu nunca vou te deixar. – Prometeu naquele tom que sempre usava com ela, aquele tom que parecia mais distante no preciso momento. – Eu estarei aqui, você sabe disso, meu leão. Estarei aqui porque sou incapaz de deixar de te amar. Estarei aqui porque me movo apenas por esse amor. – Cada palavra foi dita lentamente, no mesmo tom aveludado pelo qual ele se apaixonara.
Em respeito aquela que agora ocupava o coração dele, a boneca depositou um beijo lento na bochecha de seu amado e desejou, silenciosamente, que a humana cuidasse dele, que o fizesse feliz. Afastou-se então, os passos lentos dirigindo-se até a cama, o vestido lilás movendo-se de forma tão doce que o fez suspirar quando, como uma perfeita dama vitoriana, ela se sentou no colchão macio e pousou as mãos sobre os joelhos, lhe encarando.
Por um momento foi apenas isso, apenas o longo silencio e os olhos deles, verde contra azul, a dor da partida contra a aventura do novo amor. – Tranque a porta quando sair. – A boneca sussurrou, inclinando a cabeça para encara-lo de outro ângulo. – Por que? – Ele questionou diante do pedido pela primeira vez lhe feito. – Não há motivos para sair daqui sem você. Mas quero que saia, que viva essa experiência por mim. Sabe que sou incapaz... – A voz dela morreu em seus lábios, a dor se tornou tão real. – Incapaz de amar outro ser além de ti, talvez com exceção daqueles pequenos que me prometeu. – Por um momento, seus olhos brilharam enquanto, com as mãos, mencionava o tamanho daqueles prometidos. – Então tranque e volte quando quiser. Eu estarei aqui, amado leão. – Sussurrou por fim, exibindo um sorriso que misturava partes iguais de dor, amor e esperança.

E seguindo o conselho dela, o rapaz se virou e caminhou até a porta. Pouco antes de fecha-la, lançou um ultimo olhar a sua obra mais amada. – Eu te amo, minha bonequinha. – Sussurrou e ela teve certeza que amava. Ela sempre tivera essa certeza, não existiria sem ela. – Eu te amo, leão. – Respondeu a pequena, vendo o feixe de luz artificial subir e ouvindo, com o coração apertado, a chave sendo girada na fechadura. Os dedos pálidos da criação tocaram o camafeu que ele lhe deu, a promessa que voltaria, o símbolo que a amava mais do que todas as outras. Deitou-se então a boneca e ficou, quieta na escuridão, a espera do regresso daquele que amava.