10 de dezembro de 2016

Hello, my old friend

Um  corpo no escuro, delicadamente colocado sobre a poltrona mais confortável da grande sala de estar. A lareira estava morrendo, as chamas crepitavam suavemente, o calor já não era o suficiente para fazer com que o ambiente estivesse confortável. Ruby era o corpo, os olhos fixos na grande janela de vidro a sua frente, imóvel alem dos movimentos muitos suaves causados por sua respiração lenta. Vestida de negro, os longos cabelos vermelhos caiam em cascata sobre os ombros, os profundos olhos verdes perdiam-se na noite escura. Lá fora chovia.
A porta do comodo se abriu devagar, um rangido muito suave encheu o ar. O clima parecia se tornar ainda mais frio conforme a figura vestida de negro caminhava para perto de Ruby, que não se moveu um único centímetro.
- Eu esperei muito por você. - Ruby finalmente se moveu, sua voz calma e doce não condizia com a ferocidade da chuva que era reflexo de seu espirito. 
A figura de negro se sentou na poltrona próxima aquela que 
Ruby habitava e a ruiva se virou para fitar sua tao esperada visita. Era uma mulher num longo vestido negro, de mangas longas; tinha a pele extremamente pálida, o corpo magro e pequeno, cabelos escuros como carvão que lhe caiam livres sobre os ombros, olhos negros e carinhosos.
 - Sei que tem me esperado, talvez ate me desejado. Mas eu vim apenas lhe visitar, ainda não é chegada a hora levar você. - A voz da mulher era mais suave do que Ruby esperava, era quase carinhosa.
- Eu não sabia que você podia fazer esse tipo de visitas. - 
- Posso, embora normalmente não faça. Mas estou sempre tão próxima de você, há tantos anos, que achei que essa vista não lhe faria mal. - 
- De fato, não me sinto pior agora do que me senti o restante de minha vida, embora sua proximidade pudesse ser capaz disso, tenho certeza. - 
- Pessoas perto da morte costumam se agarrar com mais vontade a vida. - 
Por um momento houve um longo silencio, Ruby pensava sobre o que estava acontecendo. Não parecia real, mas ela era uma bruxa sabia o bastante para saber que a maioria das coisas não parece real.
- Você me parece tão solitária. - A figura rompeu o silencio e sua constatação fez a ruiva rir por m momento. 
- A morte pode ser muito solitária, mas passei a vida toda assim. Não faz sentido para mim estar rodeada de pessoas no momento em que abandonar este mundo, se vim a ele e nele sobrevivi sozinha. - 
- Você me chamava aqui com tanta vontade, com tanta força, que não resisti a vir mesmo que não fosse a hora. Por que me queria tanto? -
- Achei que já tivesse notado. Estou solitária. - 
O silencio se instalou novamente, mas dessa vez era a figura de negro que ponderava os dizeres da bruxa. 
- Eu só queria com quem conversar, estou perdendo a pouca sanidade que me resta. Ninguém fala comigo. - Ruby explicou, finalmente se movendo. Afastou os cabelos rubros do rosto e respirou profundamente, mordendo o lábio inferior. 
- Com tantas pessoas circulando para lá e para cá. Como pode ninguém falar com você? - 
- Ninguém fala comigo sobre você. Todos agem como se nada estivesse acontecendo, dizem que você não virá até mim antes que eu seja bem idosa, que a vida será muita amiga por muitos e muitos anos. Eles não são capazes de aceitar... Eu só queria que aceitassem. - Ruby desabafou e suspirou, deixando transparecer todo o cansaço que existia em seu coração enquanto fechava os olhos.
- Você é realmente jovem para ir comigo. - 
- Mas você sempre esteve comigo, há anos. E você não vai desistir de me levar só porque sou jovem. Na verdade, eu quero ir, aceitei isso como sendo parte da minha historia, só queria que eles fizessem o mesmo. - A ruiva abriu os olhos e mordeu o lábio inferior devagar. Queria ir embora. 
- Sempre é difícil aceitar que aqueles que amamos um dia vão partir. - 
- Eles vão me enlouquecer agindo dessa forma. Eu não posso falar disso com ninguém. É um fato que vou morrer, eu estou morrendo. Só quero paz e que aceitem isso, que estejam comigo nesses tempos finais, que possamos falar disso normalmente. A morte vem para todos, eu só sou muito bela e lhe encantei, agora ela me quer enquanto sou jovem. - Ruby riu nervosamente com o próprio comentário e voltou os olhos para a mulher de preto.
Para sua surpresa a mulher estava rindo também. O som era um pouco rouco, como se não fizesse isso há muito tempo. Devagar, a mulher de negro se inclinou para frente e segurou seu queixo, encarando o fundo daqueles profundos olhos verdes. 
- Tem razão. Você é linda, e encantou a morte. Infelizmente isso é perigoso, agora eu te quero apenas para mim... - 
Os lábios da mulher tocaram lentamente a bochecha da ruiva. Era um toque gélido, mas suave e confortável. Ruby fechou os olhos e suspirou, esperando por algo que ainda não tinha certeza do que era. 
- Eu vou voltar e te levar comigo. Fare isso muito em breve, mas não hoje. Divirta-se até lá e continue linda para mim. - A voz da mulher era tão calma que não parecia que aquilo significava tudo que de fato significava. 
Os dedos pálidos da mulher deslizaram pelas mechas vermelhas num carinho lento e suave. Ruby sorria sob o toque, quieta e em paz, mas ainda respirando. 
Tão suavemente quanto chegou, a mulher se levantou e caminhou para fora da sala em passos silenciosos. Lançou um ultimo olhar para Ruby enquanto encostava a porta do comodo e teve a feliz supresa de notar que a ruiva dormia profunda e tranquilamente. Um sono de paz e sem sonhos.